Trilha-sonora: cd Under The Iron Sea – Keane
Sou um carioca que não gosta de praia. Não gosto de areia, não gosto de água salgada, não gosto de Sol. A praia pra mim é bela à noite, fria e deserta. Adorava caminhar pelo calçadão do Arpoador à Ipanema em madrugada, esse sempre foi meu programa praieiro. Ver a praia assim, de longe, me desperta uma melancolia e profunda solidão. Me faz pensar... Lembro rapidamente de alguns programas furados na praia, como uma vez, quando, eu praticamente de terno completo, fui até a areia cumprimentar um amigo debaixo de sol de Fevereiro.
Começo falando do meu desinteresse pela praia idealizada para justificar um pouco meu desconforto no Rio, onde tudo (ou quase) gira em torno da faixa de areia, a cidade é espremida entre morros e o mar, mas não é bucólica, se pretende metropolitana: rápida e capital, e esse é o problema... Ficamos no meio do caminho, entre uma coisa e outra.
Cariocas são tanta coisa como canta a Calcanhoto. Sim, eles são bacanas. Somos bacanas. Acho que não há povo mais desavergonhadamente bem-humorado, que ri do circo de horrores que transformaram a cidade, que ri com lata d’água na cabeça, que ri sacana quando o time do melhor amigo perde (se não for o próprio, claro).
Mas esse jeitinho carioca, doce e faceiro, despojado e sem vergonha, me cansa um pouco como filho daquela terra quente, sem distanciamento (lembrar que Calcanhoto é gaúcha, Caetano baiano e por aí vai) para curtir a cidade só no seu melhor e olhar como curiosidade o lado mais sacal dos meninos e meninas do Rio.
Li num blog uma expressão criada, segundo o endereço, pela Érika Palomino: “fazer uma de carioca”, o exemplo era mais ou menos isso: festa lotada, uma moça sem cigarro vê outra com um maço de Carlton na mão, então vai até a desconhecida, bem extrovertida, puxa conversa e ri junto como se fosse a melhor amiga de infância, tudo para na cara de pau “filar” um cigarrinho. Ou seja, a moça “fez uma de carioca” para conseguir seu cigarro.
E existem os clássicos que como filho da gema posso confirmar, o “passa lá em casa” do carioca é a coisa mais irritante pra qualquer pessoa com o mínimo de consciência: todos falam isso, mas nunca, nunca mesmo, apareça na casa da pessoa que disse para você passar lá... Assim como todo carioca é realmente seu melhor amigo de infância (“Você conhece a Roberta Silveira, filha do Valter?” – detalhe no sobrenome e referência aos pais, típico -“Robertinha... Ah! Adoroooo Robertinha” – na verdade ela só viu Robertinha uma vez na vida quando se esbarraram no Baixo), e coisas assim. Esse despojamento todo que é tão divertido por um lado, se torna triste: as relações em sua maioria são superficiais, rasas, filhas da praia e do Belmonte (ou similares). Não se sabe ao certo com quem se pode contar, quem são os amigos para além do verão.
O clichê é a verdade, e na minha cidade querida o que não faltam são clichês, do Carnaval ao futebol.
O Rio dita a moda brasileira levada aos recôncavos por ondas televisivas, sabe que é detentor de algumas das paisagens mais incríveis do mundo (mesmo um ser lunar como eu sabe disso), e por ditar a moda, precisa sempre inventar uma nova. À todo verão é lançada uma coleção de roupas, de points, de celebridades (de intelectuais-cabeça à mulatas-loiras saradas). Depois de algumas poucas décadas na cidade isso cansa, ao menos foi assim pra mim.
E é claro que a violência veio para complicar tudo ainda mais... Também, uma cidade tão linda e exuberante em sua natureza, não podia ser perfeita. E lá vem a violência descarada e a política descarada. No céu: fogos de artifício dia 31 de Dezembro, e traçantes (balas) todos os outros 364 dias. Os crimes pequenos dando lugar à máfia que toma sol na praia sem ser incomodada e assassina sem ser incomodada também. Não acho que a violência seja um problema restrito ao Rio, nem mesmo à América do Sul, nem à qualquer lugar. A violência é inerente ao Homem, infelizmente, é coisa dessa Humanidade da qual fazemos parte. Mas a violência no Rio é social, cara-de-pau, “despojada” em sua crueldade. Comandos multicoloridos dominam, não há controle. E pela geografia da cidade, não há pra onde correr... O tráfico se instala na área mais pobre e desamparada, no caso os morros, do outro lado há o mar em sua imensidão mortífera. Pra onde ir então? A cidade com sua praia de todos permite a integração maravilhosa entre os mundos opostos (e lá vem o clichê da patricinha da Vieira Souto e seu amigo aviãozinho do Macacos). Convivemos com a violência sem problemas, até que ela mate um menino-mártir, apenas um dentro de uma estatística estarrecedora. Alguns acham que vestindo branco, soltando pombas e colocando faixas, a “paz” virá visitar a cidade, como se ela a “paz” fosse uma popstar que vai fazer show no Maracanã e limpar a alma carioca. Como se a “paz” fosse uma coisa assim, concreta, objetiva. Como se para a “paz” bastasse chamar para que ela aparecesse, enviada pelos deuses montada em um cavalo tomado emprestado de um dos quatro cavaleiros do Apocalipse.
O quê os cariocas podem fazer sitiados então? Muitos ficam em casa, escondidos, protegendo-se em seus apartamentos do pânico, luxo blindado pra uns, ou em suas casas de reboco tão próxima dos QGs do tráfico, à esses resta rezar. Alguns outros cariocas arriscam-se à badalar em Bagdá, em sair às ruas sem colete à prova de balas, utopia alcoólica para continuar a vida, e quer saber? Acho que essa é a única forma de continuar... Porque a resolução não virá depressa, infelizmente, e se esconder-proteger, é um pouco se matar também.
Eu sempre me “arrisquei” atravessando a cidade praticamente toda de ônibus, de madrugada que é meu horário normal... Meus pais, alguns amigos, sempre aterrorizados, preocupados com minha integridade física. Mas a integridade humana, onde fica? Então vivia como se a violência não estivesse próxima, esquecendo o fantasma pra não me assustar.
Só que o tempo vai, o tempo volta, a responsabilidade por si aumenta, e com a maturidade vão vindo os medos, os receios, as preocupações. E os bares fecham tão cedo!
E meu trabalho na cidade, à mercê de modismos, de capitalismos, de “desinteressismos”... Como fazer teatro (e drama, não só por desejo, mas por vocação) e competir com a praia, com o chopp gelado? Como pensar na Casa da Gávea se logo embaixo o Hipódromo está bombando? É mais fácil encontrar atores na Cobal do Humaitá do que nos teatros do Rio. E assim vai se guerreando por condições para realizar a única coisa que alguns, como eu, sabe fazer. A cultura carioca sim despreza um pouco o teatro, esse primo pobre das artes em qualquer lugar... O Rio é música. É choro, é samba, bossa-nova. Mulato-negro-índio que sou devia aprender tocar cavaquinho... Mas lá fui eu me meter nisso do teatro. E o Rio é cidade open-air, tudo que é indoor, não pode dar certo... Não por mais tempo do que dure a dica da Vejinha na memória da população hypada.
É claro que todos os cariocas adoram saber que tem cariocas fazendo teatro. “Ah! Essa cidade tem tudo do bom e do melhor”. Mas só saber não basta para o mercado sobreviver, só dar tapinhas nas costas, não vai ajudar... As capas do Segundo Caderno até conseguem se manter por um verão (a Mônica Martelli conseguiu por três ou quatro inclusive)... Mas nós, artistas-marginais (há-há-há) do teatro contemporâneo, que nos contentemos por matar e morrer pelo Espaço SESC (único pólo que funciona) ou uma pautinha no Sérgio Porto, o templo da resistência (Opa! Esse pegou fogo, quando será que vão apagar?).
Mas tudo bem, tudo bem, porque a permuta do Raajmahal tá garantida, vamos abrir uma Skol e esquecer, que amanhã tem mais apresentação vazia ou lotada de Star Palco. Reclamemos em torno da pizza, gritemos e xinguemos todos! Mas não vamos perder nosso tempo fazendo algo realmente sério pra mudar a situação do mercado, vamos? “Te vejo na Farme, beijo tchau”!
Claro que há artistas estupendos no teatro carioca, alguns dos meus preferidos são de lá. E claro também que há quem pense diferente, que há os que lutam ou tentam... Há a exceção da regra! Mas a exceção sempre é pequena comparada à regra que dita como as coisas funcionam, certo?
Tudo é Pan neste 2007! Os organizadores da festa de abertura pedem que todos vistam branco no Maraca, será que vão projetar a palavra “paz”? Tudo é Pan e que o resto espere! Não devemos preocupar nossas cabeças com a questão da violência, os Fernandinhos, Marcinhos e companhia estarão na festa! Não vão perder esse evento único, já pegaram camisinhas no posto de saúde, tiraram suas sungas camufladas do armário e vão cair na jogada desse evento esportivo.
E neste país da loucura tudo é possível! Porque ninguém propôs fazer uma Copa do Mundo agora no Iraque, pensou? Ou as Olimpíadas em Tel-Aviv. Mas um Pan no Rio veio à calhar! O povo esquece que não tem merenda na escola, nem médico no hospital, nem nada. Sorria pro New York Times abraçado ao gringo, jogador de squash.
Saindo e apagando a luz solar
Viver com meu trabalho no Rio foi ficando cada vez mais impossível, despeitado e sem lógica. A cada reeleição dos Garotinhos ficava mais pessimista. A cada encontro e desencontro nos foyers dos teatros cariocas ficava mais triste em constatar que todos (ou quase) colegas estavam na mesma, pensavam a mesma coisa, e não se via rumo de mudança. Todos querendo, e ninguém fazendo.
Viver com meu trabalho no Rio foi ficando cada vez mais impossível, despeitado e sem lógica. A cada reeleição dos Garotinhos ficava mais pessimista. A cada encontro e desencontro nos foyers dos teatros cariocas ficava mais triste em constatar que todos (ou quase) colegas estavam na mesma, pensavam a mesma coisa, e não se via rumo de mudança. Todos querendo, e ninguém fazendo.
Talvez pela imobilização. Cada vez mais fui me sentindo rejeitado, estranho à cidade, intruso, visitante indesejado. O Cristo não me abria os braços mais, e eu não encontrava o Cazuza no Arpoador, pra cantar com ele “Brasil”, ou chorar a “Luz Negra”.
Não restava muita coisa pra fazer na cidade, e esse momento coincidiu com minha necessidade pessoal de mudança, de crescimento. Novas aventuras...
Nesse país da imaginação que é o Brasil, onde tudo pode e acontece (e tudo de ruim principalmente), o Rio é a capital ainda (do Império da loucura): é uma ilha da fantasia aterrada.
O Rio é meio parecido pra mim tb, q sou de Belém... E escolhi Sampa pra residir há 13 anos, e pelos próximos... Adoro o Rio, mas não passo lá mais do q uma existência como turista, breve, fugás, rs
ResponderExcluirLuciano, uma coisa é certa, por mais q haja diferenças e desavenças, nossa terra é nossa terra...
Eu, por exemplo, amo, amo e amo Belém do Pará, mas moro em Sampa, que eu amo tb!
Acho entao q meu coração cresceu transbordantemente como São Paulo, rs, e quem sabe, se pintar um trabalho fixo no Rio, eu possa amar tb sua cidade e qualquer outra que vier me chamar...
A gente é um nômade atrás de amor e conforto.
Bjo, amigo
Bem, trata-se de um extenso depoimento. Vou me ater aos pontos relativos ao modo de vida e ao modo de vida ao qual somos sobmetidos nos tempos atuais: toda a cidade de feições metropolitanas carregam um pouco de esus modismos. Aqui, uma das vitrines, a coisa toma uns ares meio tolos é verdade. E a antiga Guanabara (onde nasci. rs) se mostra bem fragmentada, com mundos muito diferentes daquilo que chamamos "Cidade Maravilhosa". Dá apra escrevber uma "Ilíada" sobre isso. Mas em resumo: vejo o Rio bem doente, com necessidade urgente de cuidados médicos em praticamente todas as áreas. Precisamos parar de viver de louros de outrora.
ResponderExcluirAbraço!
Sempre detestei o Rio, você sabe. Não pela cidade, que realmente é linda para ver, mas pelas pessoax. Sempre olhando de cima, como se todos os demais fossem inferiores, eles cidadãos de primeira classe por terem nascido no rio de janeiro. Como se vivessem na corte e todo o resto do país fosse "atrasado". Sempre detestei as modas que só ocorrem lá e ax pessoax acham que se acontece lá é claro que acontece em todo lugar (parecido com os norte-americados). Pessoax que tratam o diferente como ruim, que não conhecem nada além de seus umbigos e acham que o mundo é deste tamanho. Detesto também o fato de terem se acostumado à violência diária (como se isso fosse normal) e acharem que os outros exageram nos cuidados.
ResponderExcluirAcho que deu pra enterder, né? Dificilmente volto ao Rio.
eu adoro o rio, poço profundo de contradições...
ResponderExcluire é aqui que decidi pulsar mais forte.
fazer o quê?
adoro um desafio, um desafino, um erro estratégico, não bala perdida, mas um erro bem acertado no coração.
adoro meus "ss", minha infromalidade, um jeito descomposto que se torna estilo.
Um não precisar seguir à risca as ultimas tendências, vc pode ser tendência...
Ei, brother, não sabia que tens um blog. Isso é muito bom. E a luta insana aí no Rio?! Aqui, cada dia mais insana. Linka-lo-ei. Grande abraço.
ResponderExcluirEstuve en Río de Janeiro muy pocos días
ResponderExcluirla ciudad es bella pero sobre todo por su gente
las personas de Brasil que conozco son muy amables y cálidas
pero es cierto que aquí en Buenos Aires prefiero también ver la ciudad de noche
de noche las calles son más tuyas, hay menos gente, menos ruido, puede uno escucharse los pensamientos
el día de las ciudades aturde
besos desde Argentina
www.nobuhardilla.blogspot.com
oi luciano
ResponderExcluirpassei por aqui... tb tenho essa coisa de ir e vir em blogs, já tive vários... agora estou com esse já há um tempo..
http://agrinalda.blogspot.com
Eu tb compartilho dessa mesma sensação sobre o RJ. Tb nao gosto de sol nem de areia no maiô... Te mandei umas fotos do Arpoador por um scrap orkut e nem sabia dessa sua relação de observador com o Arpoador... é sempre uma cidade linda para se ver. Quem é espectador,ganha mais... Belo texto! Um abração Andrea Carvalho Stark