segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Aos inimigos: o coração valente (censurado)

Em 24 de Outubro de 2014, cansado de acompanhar a hostilização machista e violenta contra a senhora presidente da república Dilma Roussef, eu escrevi o texto abaixo. Sou um escritor e criei esse pequeno texto espontâneo como manifesto contra a forma com que estavam se opondo em diversos meios: agredindo vulgarmente uma chefe de estado e uma mulher.

Menos de 24 horas depois o texto publicado originalmente no Facebook repercutiu em mais de 1.000 compartilhamentos e 2.000 curtidas. Jamais esperei que isso fosse acontecer. Como jamais imaginei o que viria a seguir: tive meu texto excluído da rede social graças à denúncias injustas ao seu conteúdo. Voltei a publicar o texto, mais 1.000 pessoas se uniram em torno dele. Outras 24 horas e o texto seria novamente excluído e eu bloqueado, impedido de me manifestar, bem no domingo de eleições. 

Felizmente muita gente salvou e compartilhou o texto e eu próprio me lembrei do Instagram, como outra rede para assegurar sua difusão. Agora ele está aí registrado nas páginas, mentes e corações de tanta gente. Em muitos lugares, como é factível à Internet, o texto foi publicado retirando meu crédito como autor. Em seu lugar apareceu "Autor Desconhecido". Aqui está o autor para que vocês conheçam.

Divulgado o resultado me encho de alegria, esperança e desejo que esse novo governo da presidente Dilma vá ainda mais longe em suas lutas sociais. O banquete sangrento que descrevo abaixo foi indigesto, felizmente. Para não esquecer:


"Puta, ladra, feia, vagabunda, terrorista, ridícula, assassina, sapatão, mentirosa, nojenta… Mulher. Indigna de qualquer respeito. Alvo de toda troça. Desejaram-lhe a doença, a surra, a curra, a morte, o assassinato. Foi agredida dia após dia, post após post. Violentada em palavras de ordem contra si por pessoas muito cultas, educadas e informadas. Com tochas erguidas a turba se levantou não contra uma rainha de copas, mas contra a presidente eleita pela democracia. Ou sim uma presidenta. A língua é viva, ela quem deveria estar morta. A pele em flor irrompida pela violência instintiva. Cortem-lhe a cabeça. Quem é a rainha agora? Homens e mulheres de falos imaginários invandindo-lhe, destroçando sua identidade, arrebentando sua dignidade. Desprezível. É impossível parar. O desejo pelo sangue vermelho. Vermelho. O gosto salpicado de um corpo velho de sessenta e seis anos. Corpo atravessado pelo câncer. Por paus e fios e medos. Corpo torturado. Por que não terminaram o serviço? Teriam lhes poupado trabalho. Mas o sabor de vermelho na boca de dentes límpidos alimenta os animais. São romanos e querem sangue derramado na arena. A gladiadora está pronta para mil leões e infinitos punhos. Que comece a orgia! A mulher está na mesa, saquem seus talheres afiados. E sirvam-se. (Autor: Lucianno Maza)”

“Bitch, thief, ugly, slut, terrorist, ridiculous, murderous, dyke, liar, disgusting ... Woman. Unworthy of any respect. Targeted by all mockeries.They wish you all illness, all beatings, all sodomies, the death and the murder.You were hurt day after day, post after post.Violated by slogans by very intelligent, educated and well informed people.With mob torches standing not against the Queen of Hearts, but against a president elected by democracy.Or perhaps, a Woman President.But Language is an alive thing, it is SHE who should be dead.The skin erupted by instinctive violence.Off with her head. Who is the queen now?Men and women with imaginary phallus invading her, destroying its identity, bursting her dignity.Despicable.Impossible to stop. The desire for red blood. Red.The flavors of an old body freckled by sixty-six years.Body transversed by cancer. By sticks and wires and fears. A tortured body.Why haven’t they completed the job? They would have been spared of so much trouble.But the red taste on their lips with clear teeth feeds the animals.They are Roman and they desire nothing more than bloodshed on their arena.The gladiator is ready to face a thousand lions with endless fists. Let the orgy begin! The Woman is on the table, draw out the sharp cutlery. (Text by: Lucianno Maza / Translated by: Veridiana Carvalho)”

PS: Reativando este blog para registrar esse momento. Se quiser me acompanhar, siga no Facebook (enquanto não me banirem de lá): 

terça-feira, 27 de abril de 2010

Um monte de figuras-figurinhas, sorridentes e inabaláveis, que se amontoam coladas organizadamente em nossas folhas outrora em branco (mas cujos fundos, continuam pálidos). Neste horror-oco feito à cera expomos dores e amores à esse exército de manequins vestidos com suas armaduras ao contato real e humano - como se realidade, tivesse algo que ver com humanidade -. quanto mais fantasmas, maior só-lidão(com isso agora). Não tiro meus óculos escuros porque se eu ver essa gente me transformo em pedra, medusas anti-sexies que são. Assustado eu caminho respirando a cal que exalam. Tentando encontrar algum senti-do(r), alguém que sinta a dor. Uma intervenção cirúrgica repuxa meus nervos para que o sorriso seja constante também. Meu mestre extraterrestre ordenou: "finja ser um deles, se camufle no meio deles cama-leãozinho,abaixe sua juba, controle seu rugido. Sorria, meu bem!" Ok. E no meio dessa gente de lata que não quer o coração de Oz, eu vou sen-dó, sem nada. "Vai neguinho, vai de headphones que aqui cultivamos o silêncio zen-ocidental." E eu vou. Pra onde? On. Onde. Ondeia. O mar é bravio, e já que é preciso navegar-chegar vou lá. Lá. Vem comigo? Desculpa, esqueci que você não anda, que não pode sair do lugar, que não pode sequer respirar. Que a paz esteja convosco. Que a força esteja com vocês. E que tudo mais vá pro inferno.

sábado, 23 de janeiro de 2010

Para não ficar no silêncio absoluto...

"Se por acaso te derem peças de um quebra-cabeça que não encaixa, relaxa e organiza como quiser: é um mosaico!" (Lucianno Maza)

(passe o mouse ->) E os espaços em branco entre as peças é a vida acontecendo.

PS: Não esqueça de dar o crédito ao autor, sempre.

domingo, 19 de abril de 2009

Caderno Teatral

ou para não deixar de falar de teatro
Trilha-sonora: cd "Gregorian Beatles" de The Chant Masters


Este blog continua destinado à publicação bissexta de meus textos pessoais: fictícios ou não.
Agora iniciei um segundo espaço, destinado à falar de teatro, mais precisamente dos espetáculos que tenho gostado de assistir.
Acesse o meu Caderno Teatral e confira!

Te vejo lá, e logo por aqui também.

domingo, 25 de janeiro de 2009

Quando chorei assistindo um desfile de moda na tv

ou sobre sentir nas horas erradas
Trilha-sonora: cd “Der Heisse Brei” de Wim Mertens


Este espaço foi aberto pouco depois que cheguei em São Paulo, e lá se vão dias e semanas e meses e logo serão anos: dois. Começo assim porque uma das normas da narrativa literária clássica é situar o tempo. Então assim me situo no tempo: dois anos.

Tenho pois dois anos de idade, desmamei do seio de minha mãe e começo a tentar andar, tenho medo de cair e me machucar, mas a gravidade é intransponível. Vou ao chão e choro, não é a dor da pancada que me leva a berrar histericamente, é sim a sensação de que meu maior medo aos dois anos se cumpriu: o fracasso da tentativa, a queda. Então alguém diz que preciso levantar e voltar ao caminho. “Tenta. Fracassa. Não importa. Tenta outra vez. Fracassa de novo. Fracassa melhor”.

Às vezes eu tenho a impressão que a depressão é sofisticada demais por alguns, que no fundo ela é só dor física de uma queda aos dois anos. Ou esta que estou sentindo agora e que comprime minha garganta e meu coração numa só corda torcida cada vez mais. Analgésicos para a dor... É disso que preciso. Pílulas de tarja preta ou gotas de Bach? Acordes de “Air On G String”.

E acho que eu escutei The Smiths demais, por isso me apaixono. Maldito Morrissey. Paixão juvenil escrita em papel de caderno. Cartas que nunca foram entregues. Amor melancólico, daqueles que se assemelham a uma tarde chuvosa. Coração nublado. Foi por causa de uma dessas nuvens tempestuosas que escrevi meu último texto por aqui, nele eu dizia sobre uma mulher e um homem apaixonado por ela. Outro rabisco no fundo da gaveta, entulho.

A paixão, sobretudo estas de gavetas, liberta e aprisiona na mesma medida. A prisão pode vir em forma de depressão, obsessão ou frigidez. A liberdade essa vem por meio da percepção de que você sente então logo existe, está vivo.

Liberto, então os olhos logo incham ao menor sinal de emoção. E a dor que nasce no miocárdio atravessa o semblante até o globo ocular. Em mim as lágrimas ardem insuportavelmente ao brotar. E embora essa ânsia de vômito-choro apareça com freqüência nos últimos tempos, pouco tenho sentido o gosto de sal na boca. Escorrem em mim tristezas não líquidas. Não sei se pela questão “social” (e penso quando afinal chegará a Revolução Masculina?) ou porque as glândulas lacrimais estão com alguma deficiência. Preciso mesmo ir ao oftalmologista, os nervos de meus olhos têm ficado inquietos, talvez pela força que exercem sobre eles os fatos.

Naquele dia eu esperava uma resposta profissional de importância definitiva para mim, do tipo “última chance”. E embora possa não parecer às vezes, a realidade prática têm me atormentado como uma intransponível gravidade que me leva ao chão. Então foi difícil dormir, eu tentei ir cedo pra cama para que a noite logo passasse e a hora tão esperada chegasse. Mas acordei tempo depois, pouco antes das seis, meu horário de ir para Oz.

Luminosidade do horário de verão numa manhã fria e então ligo a tv e passeio por televendas, filmes, desenhos e cultos religiosos. Acabo por parar num canal que fazia o resumo das atrações da São Paulo Fashion Week... Parei por ali, gosto de ver um pouco de moda - uma das garotas por quem me apaixonei arrebatadoramente no colegial queria ser estilista (se formou dentista, só para constar) - e além disso eu acho divertido, informativo e às vezes inspirador até. Um ou outro desfile interessante narrado por seus criadores, sempre com uma elaboração muito burilada, um conceito quase sempre maior que o resultado. Uma grife exibia uma coleção inspirada nos Smiths, esses mesmo que já citei, não, não gostei tanto do que vi, mas me identifiquei com a estilista e suas impressões da banda marco de nossas vidas.

Então um estilista que desconhecia completamente aparece conversando sobre seu desfile com a ex-vj que apresenta o programa, ele conta que a coleção foi inspirada nas czarinas da Rússia dos séculos passados. Eu pensei “lá vem uma viagem cultural alla novela das oito” e não dei a menor bola. Isso até o primeiro frame da passarela aparecer na tela e Wim Mertens (e/ou Lisa Gerard) e Antony And The Johnsons – músicas que me emocionam – tocarem na trilha, e então fiquei atenciosamente encantado. E o encanto logo virou comoção ao ver aquelas mulheres desfilando as obras de arte do Samuel Cirnansck enquanto eu percebia a riqueza de seu trabalho em poeticamente ligar a Rússia czarista à moda contemporânea, sem parecer difícil ou ridículo. Não era algo de originalidade inovadora, não, mas as peças eram realmente lindas e o conjunto do que acontecia na passarela muito forte. Um acontecimento em mim às seis e pouca da manhã. Eu estava tomado pela apresentação e então, no encerramento, quando uma impactante modelo negra entrou na passarela trajando um vestido de noiva preto e uma neve artificial começou a cair sobre ela e todo seu caminho, eu já havia sentido a dor nos olhos e uma ou duas lágrimas já estavam em meu rosto. “A beleza me emociona”.

Achei estranhíssimo chorar com um desfile de moda transmitido pela televisão. Não sabia se havia me transformado numa fashion victim, se em outra encarnação eu fora russo, ou se meu estado de nervos era tão gravemente sério a ponto de eu chorar com algo dito ‘tão fútil’ e com três minutos de duração. Essa situação foi uma daquelas que nos faz pensar em um monte de coisas. Do primeiro amigo que contei recebi risos compreensíveis e a opinião que meu estresse realmente está desesperador – e ele não deixa se ter razão; mas por outro, que viu o tal desfile fui respondido que sim, era bonito: frio e elegante, e que era realmente a “minha cara”. Não sei se ele disse isso pela questão plástica da estética que realmente tem a ver com meu trabalho, ou se eu era elegante e frio...

A resposta profissional à qual tanto esperava foi negativa. Estou perdido no deserto infértil e minha bússola foi destruída há muito tempo. Mais que isso, estou exausto de tanto engatinhar por aí. O problema de se começar cedo demais é que se cansa ainda jovem. Já culpei as políticas do mundo, já culpei minhas escolhas. E penso que minha vida, sem amores, completamente voltada para meu trabalho se torna sem o menor sentido se este não existe. Quando criança eu queria ser duas coisas: ator ou cientista. Por quê não fui estudar a Ciência?

Tantos passos e tentativas de. Confronto com o que é estabelecido, pelos mecanismos corrompidos da profissão, pelos desencontros amorosos, pela tal felicidade, pelos caminhos nem sempre perfumados e iluminados.

Penso em abandonar tudo às vezes. Há duas possibilidades... Uma seria assumir outra identidade. Não que pra isso eu precise mudar de nome, não, até porque isso pouco ajuda na verdade. Mas uma dessas mudanças de identidade que fizeram Rimbaud abandonar a poesia e traficar armas na África. Entendem? Dentro de mim um ímpeto de partir... Abandonando tudo, carregando menos peso. Me tornar ainda mais anônimo do que sou. Desaprender e esquecer.

Sobre a segunda possibilidade, um amigo um dia sorriu e disse: “eu não tenho medo que você faça isso, há brilho em seus olhos”. Completou dizendo que eu tinha planos e que quem têm coisas a fazer se mantém aqui. Depois de assistir ou ler um texto meu, me falam algumas vezes “como pode uma pessoa tão doce escrever coisas tão doídas?”. É claro que eu não sou só escuridão, que não sou linear ou chapado nisso. Eu tenho carinho pelos outros, sou divertido, meio metido a engraçado, acho que tenho um humor apurado e irônico, conquistei amigos, sei ser simpático e realmente têm coisas que eu gostaria de dizer. Além disso às vezes me apaixono. Mas quem afirma que isso tudo é minha verdade? Quem consegue ver para além do brilho dos olhos? O que afinal há de errado comigo? Gritos de socorro em silêncio. As tais lágrimas que não escorrem. A euforia é só uma reação adversa do medicamento que eu não tomo.

Em tempos de “emos”, sentir coisas assim é coisa sem importância, só mais uma pequena tragédia pessoal burguesa, uma exibição de talento para a tristeza, uma perda de tempo para os outros. E não há tempo. Para nada... Então isso aqui é outra ficção, todas as histórias são, a narração de um diário juvenil, uma bad trip. E logo irei dormir e sonhar com a neve sobre a Rússia.

Porque para cair é só tentar andar.

Afinal sobre o quê era mesmo esse texto? Sobre ter dois anos!

domingo, 16 de novembro de 2008

A invenção do amor

ou nota sobre o platônico
Trilha-sonora: cd The Masterplan de Oasis


São oito da manhã e ainda não dormi. Algo remexe dentro de mim. Estômago e coração. Vontade de colocar pra fora em vômito esse sentimento que me inquieta.

Eu pensava que tinha perdido a capacidade de me apaixonar. Não sei se benção ou maldição, mas me pensava assim: curado do amor. Que os últimos acontecimentos da vida tinham endurecido o coração. Mas ele só estava congelado, e com um pouco de calor parece ter derretido. E agora vaza de mim amor líquido. Como um suor que teima em me molhar o rosto.

Não quero dizer que estava amargurado, não. Sei que sou fadado ao romantismo. Que pareço pertencer a outros tempos da construção do amor. Hoje o amor foi desconstruído como quase tudo, e ama-se em meio a fetiches e bizarrices. Amar é enfiar o punho no buraco da amada como se quisesse alcançar o órgão que bombeia sangue. Amar é trocar de parceiro com outro casal e trocar olhares apaixonados de uma cama à outra. Amar é sodomizar seu homem numa inversão de funções. Amar é desejar e permitir, o quão longe a mente vá. Assim é hoje. E neste aspecto, por mais que eu ache tudo muito interessante, e tente ser moderno, sei que sou romântico, velho, simples.

Então eu amo como um jovem influenciado por Werther. Eu amo ao som dos Beatles. Eu amo do jeito que inventaram um dia que era amar. E nós acreditamos porque vimos “Before Sunrise” (e depois ainda lançam “Before Sunset”!), porque ouvimos muito Radiohead, porque cada um de nós teve uma namoradinha aos cinco anos de idade (a minha se chamava Amanda) e foi rejeitado por outra na adolescência (Manoela). Eu amo e choro. Eu amo e rio. Eu amo e espero.

Mesmo entregue à vida mundana essa essência está lá, impregnada, e logo exala por todos os poros deixando claro quem eu sou e que talvez veja tão pouco. Faltam em mim elementos químicos que levam à depressão. E ela turva tudo. Um eterno par de óculos escuros frente aos meus olhos. Então meu amor é melancólico, como todo resto.

Eu escrevo e as palavras misturam verdades e ilusões. Todas as histórias são ficções depois de desenhadas em papel. Eu escrevi algo para S. uma vez e ela me respondeu “não precisa ser tão trágico assim”. Mas é claro que precisa, porque ela decretou-se morta em silêncio logo depois. Sua morte em minha vida foi uma tragédia. E como uma Antígona carreguei em lembrança seu cadáver até conseguir enterrar em algum ponto remoto da memória.

Neste tempo continuei me apaixonando, mas por coisas simples, pelo que não dói. Não amor amor. Pequenas paixões ao longo dos dias. Mas então uma grande. Que eu vou fingindo não ver o tamanho, e que só cresce.

Afirmo que é uma bobagem, tento ouvir um ou outro amigo que tenta ajudar dizendo que eu só confundi as coisas, ou mesmo me jogar em outros braços pra esquecer aqueles que não me têm. Só que nada disso adianta muito por muito tempo.

Ontem eu a vi. Depois de algumas semanas. Não sei se ela me viu, porque não fiz questão disso. Mas eu a vi ali, acompanhada, a dois ou três metros de mim. Eu a vi e segui meu rumo. Conversas e risos entre amigos. Social com desconhecidos. Segui o rumo da vida com falsa naturalidade, como se tudo estivesse correndo bem. Mas não estava, eu queria parar a vida, molhar aqueles lábios com o salgado de minhas lágrimas discretas.

Tento lembrar do Rei Roberto (“de hoje em diante só vou gostar de quem gosta de mim”), mas não adianta, por mais que eu viva a vida – e vou vivendo – isso-amor está aqui, isso-amor dói e isso-amor continuará até um dia em que se desapareça como chegou: num olhar, num toque, num sonhar.

Escrevi uma peça sobre sentimentos e histórias de S. e outras que ocuparam palcos e coração. Escrevi essa peça pensando nela pra fazer. Escrevi pensando nela. O autor tem o poder de transformar qualquer uma em musa. E eu a escolhi, ou fui escolhido. Então escrevi, tentando não ser trágico demais como disse a outra.

Meta-amor.


Amizade. E então a trouxe pra perto do jeito que um workaholic pode fazer isso. E me pergunto o momento em que o tesão virou amor. Esse amor platônico, ridículo e sim verdadeiro.

Amo e não digo, mas amo e escrevo.

O quê fazer com isso tudo? Embrulhar e mandar pra presente? Deixar guardado até que um dia floresça ou apodreça? Talvez apenas seguir avante por estes caminhos sinistros dos (des)encontros.

Aquilo ainda se mexe dentro de mim, dor incômoda.

Feliz por me sentir vivo por que dor é sinal de vida.

E já que não tenho Rivotril, vou tomar Sonrisal pra ver se passa.


ilustram o texto fotos da atriz francesa Julie Delpy

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Vórtice

Trilha-sonora: cd Von de Sigur Rós

Dentro de mim existe um mundo. Nações inteiras e paisagens. Eu fecho os olhos e consigo sentir a força da terra rompendo em flores. Quanto mais eu preciso viver? No meu céu as estrelas caíram em fogo e queimam as mãos de uma pobre menina. As marés arrebentam nos meus olhos. E eu ainda aqui, prestes a buscar uma solução pra silenciar a guerra. Existem outros caminhos eles dizem. Urros não são suspiros. Foge de mim coração. Um sonho qualquer pode se realizar. O pior pesadelo. No Brasil não faz frio e é difícil a melancolia com suor. Sorriso rosa choque pichado no rosto. Quem afinal eu sou? Pés e mãos alcançando tudo. Ar. Respingam em mim sangues e desejos. Vórtice entrando por minha garganta estraçalhando palavras. Estilhaços de ais. Há algo que chove. Longe daqui outras órbitas. Números mais, menos. Como serei eu com cabelos brancos? Balanço quebrado corta o vento. Poeta assassino. De repente vazio de pedras. Sombra eterna. Gosto doce. Um povo índio que chama deuses. Corpo da alma esburacada. Sobre o precipício avançam-se as horas. Depois outras histórias qualquer invadem a cabeça. Ah, tontura. Ali à frente estão dois homens, uma mulher. Peixes em água turva. Quase foi assim. A espera pelo sol. Não reconheço o que carrego. Horizontes obtusos. Unhas que não param de crescer. Quanto de mim há naquele que leva meu nome? Uma velha que arrasta na areia suas rugas. Alimento apodrecido. Branco demais é o dia. Como aprender a andar em cima de saltos vermelhos. Nervos incontroláveis. O não-ser inatingível. Pequeno ao lado do pai. Corte a fita. Uma marcha aos desesperados. Pulos. Pulsos. O futuro é a digestão do agora. Solos de bateria. Janela fechada. Imobilidade. Sono virgem. Chama. E meus pêlos já são escuros. Volta a revolta. Um. Silêncios da mente. Terminar outro dia. Chegar até ele. Seios nus. E então tudo em torno. Corre. Veja o quanto te resta de ilusão em pó. Acorde preciso. Passagem. O que há de belo na dor. E o que há de dor no que é belo. Criar a ação. Movimento. Há uma parte de mim que é torta. Arvores caídas em folha. Jaz aqui uma tentativa. Lona rasgada pra ver o azul profundo. Sinta. Logo a mãe. E as crianças. Asa frágil pro vôo. Mergulho. Brilhos. Então o negro. Escuridão de sons. Gira em mim mundo. Licença para encontrar o que ainda não perdi. Mal dizem. Estopim. E de novo portas. Toques. Acidez. Psi. Salão de perguntas. Ir em frente. Completando tracejados. Feras solidárias. Alguém. Imagens. Além. Conto até três e você se esconde. Um. Dois.

03.58

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Oração

em voz alta e uníssono
Trilha-sonora: o silêncio, música do tempo



Somos todos espectadores de um freak-show eterno no qual somos ao mesmo tempo as principais atrações. Banalizaram a existência. Privatizaram o pensamento. Curraram a esperança. Matar e morrer são normais quando a vida não vale a pena. E o que você tem a ver com o que está acontecendo comigo? Salve-se quem puder, os piores na frente. E nenhuma oração será ouvida, porque os deuses estão mortos. Foram assassinados numa chacina sanguinolenta e silenciosa. O palco desprotegido é atacado por novos deuses enfurecidos que exigem a capa do segundo caderno ou as páginas policiais, não importa. American dream de brasileiros carnavalescos que renegam à Rosa Magalhães... Despertai-vos dentre os mortos velhos deuses! E façam justiça a seus filhos legítimos.


Escrito em 2006 para "quaseTUDO" e retomado em "Modo de Preparo (Passo 1)".
Próxima apresentação: 18 de Outubro na MOLA - Mostra Livre das Artes, Circo Voador - RJ.

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

“Lonely People” na cidade grande


ou para não esquecer de sorrirTrilha-sonora: cd Fathering de Mark Mucalhy


Adendo: O quê farei com este blog?
Quando decidi voltar à escrever um blog, há dois meses, lembrei das minhas investidas frustradas na blogsfera, mas resolvi ir em frente porque tinha vontade de guardar minhas lembranças do momento da vida em que estou. Escrevi um texto que falou do Rio de Janeiro e de minha saída de lá e queria escrever um texto bacana sobre minha chegada à São Paulo, as primeiras impressões como morador. Mas ficou tudo um pouco confuso, talvez reflexo da minha própria confusão. Sinto uma certa pressão em escrever um blog, e acho que isso vai contra o prazer de se escrever livremente na Internet. Bem, acho que não sou o melhor escritor para essa mídia, nem tampouco o mais constante. Então decidi escrever aqui de forma bissexta mesmo, sempre que eu quiser guardar algo.
Reflexos no prédio espelhado

Cheguei em São Paulo numa segunda-feira de Março, perdi o vôo, embarquei de outro aeroporto (o que me garantiu um city-tour de despedida pelo Rio de Janeiro), mas cheguei em tempo para a entrevista de um trabalho free-lance que era o alvo concreto da minha vinda, na verdade uma desculpa, um pontapé para a mudança. Passei na entrevista, mas percebi que seria uma roubada pra mim e então não peguei o trabalho. E tanta angústia, foi tudo muito rápido e eu sabia que tinha que ser assim. Trouxe uma pequena mala: dentro meia dúzia de roupas, dois ou três livros, câmera, mp3 carregado de Antony and The Johnsons; na minha bolsa: caderneta, caneta; na cabeça idéias e desesperos, tristezas e desejos.
Monólogo na neblina
Não vou falar que foi difícil porque ainda tem sido. Mas durante os primeiros dias fiquei desnorteado, eu ainda estava exausto dos problemas que me haviam acometido nos últimos dias no Rio, e ao mesmo tempo precisava assimilar esta cidade que teimei que será minha. Encontrei alguns amigos daqui e isso foi ótimo... Embora não seja muito fácil encontrar aos outros aqui, entendo que as pessoas trabalhem mais ou mais intensamente, mas todos dizem estar “correndo”, “correndo muito”, e fico pensando se chegarão a algum lugar assim. Sem tempo para os amigos, para a vida. E como é fácil se sentir sozinho, profundamente sozinho, numa cidade cheia de sombra dos arranha-céus, e os amigos mandam e-mails e os dias passam rápidos e vazios. Ao mesmo tempo em que preciso entrar no ritmo, calçar meus tênis pro cooper da vida. Mas é assim... E vou aprendendo a lidar com esse defeito paulistano, um dos vários que ainda irei descobrir, afinal a grama do vizinho não é a mais verde. Entendo que minha mudança foi uma questão de sobrevivência, de tentativa, de sanidade. É preciso encontrar o equilíbrio entre o meu tempo e minha forma de relacionar-me e a da cidade.
Re-conhecendo o território
É preciso ter a sensação da liberdade, de poder ir e vir sem um GPS no pulso a um mínimo de lugares. Hoje já saio sozinho sem medo de me perder. Talvez até querendo me perder. Aprendi a andar no metrô funcional e desconfortável daqui, embora eu deteste andar de metrô: a solidão individual do silêncio, a falta de paisagens móveis nas janelas, fobia desse lugar deprimente e imprescindível nos tempos modernos. Sem dúvida a madrugada paulistana é muito mais sedutora que a carioca, viva então. Lady Insônia promove festas e sensações. Embora eu tenha preferido sua companhia à sós aqui no meu quarto. Numa peça que escrevi, “Até o Sol Nascer” tem uma personagem, Glória, que sofre de insônia e só consegue dormir quando o sol nasce. Sou assim também, quando as cortinas azul royal começam a ficar meio lilás com a claridade é que é minha hora de adormecer.
Dias nublados

Cinco meses depois do primeiro dia vejo a cidade nublada da minha janela no décimo oitavo andar de um prédio no centro. Uma queda daqui seria vôo obtuso no espaço do sempre e do nunca. A arquitetura do Niemeyer impede lançar-se, eu reparei isso logo na primeira visita ao apartamento, na verdade é possível, mas seria preciso quebrar o vidro com cuidado e mergulhar de barriga no ar, como um super-man sem poderes: uma atitude veloz. Não acredito nos suicídios desesperados, mas sim naqueles que são naturais à vida de quem os pratica.
Tempo tem pó

E penso no tempo e na relatividade, sempre que comento com alguém sobre como as coisas andam difíceis profissionalmente escuto “calma, você chegou há pouco tempo”, mas os mesmos cinco meses se tornam uma eternidade para meus credores. Dias mais e dias menos rumo ao futuro. Qual será? Alguma cartomante me diga! Quanto tempo mais correr? Pra onde exatamente ir? Por quê?
Nascimento das asas.
Como será que os anjos crescem e ganham asas? Imagino-os fetos amorfos gerados debaixo da terra, crescem e sofrem a vida humana para compreendê-la, só depois então lhes seria revelado serem seres míticos e místicos protetores dessa raça ora ignóbil e perdida. A partir daí então a revelação divina lhes faria confusos, alguns se lançariam sós ao abismo (mas então notariam a imortalidade que lhes é sentenciada e vagariam na escuridão) e outros seguiriam o caminho mais perfumado e iluminado. Auréolas de néon azul surgindo entre seus cabelos e as asas crescendo em suas costas, arrebentando tudo que há: músculos, carnes, peles, a dor alada. Sofrer é preciso pra ganhar asas, devem pensar. E então voam por aí.

Aprender a voar
Perseverança ou teimosia eu continuo aqui, apesar de tantos problemas e dificuldades na grande metrópole. Algumas possibilidades já se esboçam, outras eu tenho rabiscado. Pensando em fazer da minha vida algo que valha a pena. Pra mim ao menos: me reservar ao egoísmo de me fazer bem. É difícil, e tem dias e noites que é como se nada adiantasse: “me tragam o Rivotril!”, e dormir fosse a solução para a dor. Voando baixo ou alto seguimos em frente. E que um dia todos nós possamos usar auréolas de neon por aí, cada um de uma cor. E sigamos em frente até lá. Pé diante pé. São Paulo me abençoe.
PS: Não esquecer de sorrir.



sábado, 23 de junho de 2007

Pequena ilha da fantasia aterrada no país da imaginação

Sobre o Rio de Janeiro...
Trilha-sonora: cd Under The Iron Sea – Keane


Sou um carioca que não gosta de praia. Não gosto de areia, não gosto de água salgada, não gosto de Sol. A praia pra mim é bela à noite, fria e deserta. Adorava caminhar pelo calçadão do Arpoador à Ipanema em madrugada, esse sempre foi meu programa praieiro. Ver a praia assim, de longe, me desperta uma melancolia e profunda solidão. Me faz pensar... Lembro rapidamente de alguns programas furados na praia, como uma vez, quando, eu praticamente de terno completo, fui até a areia cumprimentar um amigo debaixo de sol de Fevereiro.
Começo falando do meu desinteresse pela praia idealizada para justificar um pouco meu desconforto no Rio, onde tudo (ou quase) gira em torno da faixa de areia, a cidade é espremida entre morros e o mar, mas não é bucólica, se pretende metropolitana: rápida e capital, e esse é o problema... Ficamos no meio do caminho, entre uma coisa e outra.
Cariocas são tanta coisa como canta a Calcanhoto. Sim, eles são bacanas. Somos bacanas. Acho que não há povo mais desavergonhadamente bem-humorado, que ri do circo de horrores que transformaram a cidade, que ri com lata d’água na cabeça, que ri sacana quando o time do melhor amigo perde (se não for o próprio, claro).
Carioca Way of Life
Mas esse jeitinho carioca, doce e faceiro, despojado e sem vergonha, me cansa um pouco como filho daquela terra quente, sem distanciamento (lembrar que Calcanhoto é gaúcha, Caetano baiano e por aí vai) para curtir a cidade só no seu melhor e olhar como curiosidade o lado mais sacal dos meninos e meninas do Rio.

Li num blog uma expressão criada, segundo o endereço, pela Érika Palomino: “fazer uma de carioca”, o exemplo era mais ou menos isso: festa lotada, uma moça sem cigarro vê outra com um maço de Carlton na mão, então vai até a desconhecida, bem extrovertida, puxa conversa e ri junto como se fosse a melhor amiga de infância, tudo para na cara de pau “filar” um cigarrinho. Ou seja, a moça “fez uma de carioca” para conseguir seu cigarro.
E existem os clássicos que como filho da gema posso confirmar, o “passa lá em casa” do carioca é a coisa mais irritante pra qualquer pessoa com o mínimo de consciência: todos falam isso, mas nunca, nunca mesmo, apareça na casa da pessoa que disse para você passar lá... Assim como todo carioca é realmente seu melhor amigo de infância (“Você conhece a Roberta Silveira, filha do Valter?” – detalhe no sobrenome e referência aos pais, típico -“Robertinha... Ah! Adoroooo Robertinha” – na verdade ela só viu Robertinha uma vez na vida quando se esbarraram no Baixo), e coisas assim. Esse despojamento todo que é tão divertido por um lado, se torna triste: as relações em sua maioria são superficiais, rasas, filhas da praia e do Belmonte (ou similares). Não se sabe ao certo com quem se pode contar, quem são os amigos para além do verão.
O clichê é a verdade, e na minha cidade querida o que não faltam são clichês, do Carnaval ao futebol.
O Rio dita a moda brasileira levada aos recôncavos por ondas televisivas, sabe que é detentor de algumas das paisagens mais incríveis do mundo (mesmo um ser lunar como eu sabe disso), e por ditar a moda, precisa sempre inventar uma nova. À todo verão é lançada uma coleção de roupas, de points, de celebridades (de intelectuais-cabeça à mulatas-loiras saradas). Depois de algumas poucas décadas na cidade isso cansa, ao menos foi assim pra mim.
Capítulo (à parte) sobre a violência
E é claro que a violência veio para complicar tudo ainda mais... Também, uma cidade tão linda e exuberante em sua natureza, não podia ser perfeita. E lá vem a violência descarada e a política descarada. No céu: fogos de artifício dia 31 de Dezembro, e traçantes (balas) todos os outros 364 dias. Os crimes pequenos dando lugar à máfia que toma sol na praia sem ser incomodada e assassina sem ser incomodada também. Não acho que a violência seja um problema restrito ao Rio, nem mesmo à América do Sul, nem à qualquer lugar. A violência é inerente ao Homem, infelizmente, é coisa dessa Humanidade da qual fazemos parte. Mas a violência no Rio é social, cara-de-pau, “despojada” em sua crueldade. Comandos multicoloridos dominam, não há controle. E pela geografia da cidade, não há pra onde correr... O tráfico se instala na área mais pobre e desamparada, no caso os morros, do outro lado há o mar em sua imensidão mortífera. Pra onde ir então? A cidade com sua praia de todos permite a integração maravilhosa entre os mundos opostos (e lá vem o clichê da patricinha da Vieira Souto e seu amigo aviãozinho do Macacos). Convivemos com a violência sem problemas, até que ela mate um menino-mártir, apenas um dentro de uma estatística estarrecedora. Alguns acham que vestindo branco, soltando pombas e colocando faixas, a “paz” virá visitar a cidade, como se ela a “paz” fosse uma popstar que vai fazer show no Maracanã e limpar a alma carioca. Como se a “paz” fosse uma coisa assim, concreta, objetiva. Como se para a “paz” bastasse chamar para que ela aparecesse, enviada pelos deuses montada em um cavalo tomado emprestado de um dos quatro cavaleiros do Apocalipse.

O quê os cariocas podem fazer sitiados então? Muitos ficam em casa, escondidos, protegendo-se em seus apartamentos do pânico, luxo blindado pra uns, ou em suas casas de reboco tão próxima dos QGs do tráfico, à esses resta rezar. Alguns outros cariocas arriscam-se à badalar em Bagdá, em sair às ruas sem colete à prova de balas, utopia alcoólica para continuar a vida, e quer saber? Acho que essa é a única forma de continuar... Porque a resolução não virá depressa, infelizmente, e se esconder-proteger, é um pouco se matar também.

Eu sempre me “arrisquei” atravessando a cidade praticamente toda de ônibus, de madrugada que é meu horário normal... Meus pais, alguns amigos, sempre aterrorizados, preocupados com minha integridade física. Mas a integridade humana, onde fica? Então vivia como se a violência não estivesse próxima, esquecendo o fantasma pra não me assustar.
Só que o tempo vai, o tempo volta, a responsabilidade por si aumenta, e com a maturidade vão vindo os medos, os receios, as preocupações. E os bares fecham tão cedo!
Teatro carioca existe.
E meu trabalho na cidade, à mercê de modismos, de capitalismos, de “desinteressismos”... Como fazer teatro (e drama, não só por desejo, mas por vocação) e competir com a praia, com o chopp gelado? Como pensar na Casa da Gávea se logo embaixo o Hipódromo está bombando? É mais fácil encontrar atores na Cobal do Humaitá do que nos teatros do Rio. E assim vai se guerreando por condições para realizar a única coisa que alguns, como eu, sabe fazer. A cultura carioca sim despreza um pouco o teatro, esse primo pobre das artes em qualquer lugar... O Rio é música. É choro, é samba, bossa-nova. Mulato-negro-índio que sou devia aprender tocar cavaquinho... Mas lá fui eu me meter nisso do teatro. E o Rio é cidade open-air, tudo que é indoor, não pode dar certo... Não por mais tempo do que dure a dica da Vejinha na memória da população hypada.
É claro que todos os cariocas adoram saber que tem cariocas fazendo teatro. “Ah! Essa cidade tem tudo do bom e do melhor”. Mas só saber não basta para o mercado sobreviver, só dar tapinhas nas costas, não vai ajudar... As capas do Segundo Caderno até conseguem se manter por um verão (a Mônica Martelli conseguiu por três ou quatro inclusive)... Mas nós, artistas-marginais (há-há-há) do teatro contemporâneo, que nos contentemos por matar e morrer pelo Espaço SESC (único pólo que funciona) ou uma pautinha no Sérgio Porto, o templo da resistência (Opa! Esse pegou fogo, quando será que vão apagar?).

Mas tudo bem, tudo bem, porque a permuta do Raajmahal tá garantida, vamos abrir uma Skol e esquecer, que amanhã tem mais apresentação vazia ou lotada de Star Palco. Reclamemos em torno da pizza, gritemos e xinguemos todos! Mas não vamos perder nosso tempo fazendo algo realmente sério pra mudar a situação do mercado, vamos? “Te vejo na Farme, beijo tchau”!
Claro que há artistas estupendos no teatro carioca, alguns dos meus preferidos são de lá. E claro também que há quem pense diferente, que há os que lutam ou tentam... Há a exceção da regra! Mas a exceção sempre é pequena comparada à regra que dita como as coisas funcionam, certo?
Pan-pan-pan-Panco
Perdemos as Olimpíadas de 2004, mas o Pan 2007 é nosso! O Rio receberá os melhores das Américas... (Por isso o Bush só visitou São Paulo? Há-há-há). Sem dúvida a cidade tem vocação para eventos megalomaníacos que não tem condições de aportar.
Tudo é Pan neste 2007! Os organizadores da festa de abertura pedem que todos vistam branco no Maraca, será que vão projetar a palavra “paz”? Tudo é Pan e que o resto espere! Não devemos preocupar nossas cabeças com a questão da violência, os Fernandinhos, Marcinhos e companhia estarão na festa! Não vão perder esse evento único, já pegaram camisinhas no posto de saúde, tiraram suas sungas camufladas do armário e vão cair na jogada desse evento esportivo.
É claro (como eu digo, é claro... talvez queira clarear meu pensamento) que faz bem ao ego do carioca ter um Pan em suas terras, areias e asfaltos. Já pensou: a moda é aqui! Digo, lá.
E neste país da loucura tudo é possível! Porque ninguém propôs fazer uma Copa do Mundo agora no Iraque, pensou? Ou as Olimpíadas em Tel-Aviv. Mas um Pan no Rio veio à calhar! O povo esquece que não tem merenda na escola, nem médico no hospital, nem nada. Sorria pro New York Times abraçado ao gringo, jogador de squash.
Isto é uma carta de amor diferente
O Rio é lindo, cidade maravilhosa de André Filho e Fausto Fawcett. Cidade turística por vocação, adorável pra passar alguns dias, sambar na Lapa, aventurar-se por Copacabana, beijar com o sol se pondo sobre nossas cabeças em qualquer lugar entre o Leme e a Barra. O Rio pode ser uma poesia esmaecida, um fado de amor perdido. O Rio é minha terra, de onde herdei o gosto pelo carnaval e o mau-gosto para atrasos, só pra citar duas coisinhas. É cidade gostosa de encontrar gente gostosa em todos os sentidos. O Rio é sorriso, mesmo que banguela. Mas eu preciso mais do quê isso, mais do que filtro-solar e mate gelado por toda vida.
Saindo e apagando a luz solar
Viver com meu trabalho no Rio foi ficando cada vez mais impossível, despeitado e sem lógica. A cada reeleição dos Garotinhos ficava mais pessimista. A cada encontro e desencontro nos foyers dos teatros cariocas ficava mais triste em constatar que todos (ou quase) colegas estavam na mesma, pensavam a mesma coisa, e não se via rumo de mudança. Todos querendo, e ninguém fazendo.
Talvez pela imobilização. Cada vez mais fui me sentindo rejeitado, estranho à cidade, intruso, visitante indesejado. O Cristo não me abria os braços mais, e eu não encontrava o Cazuza no Arpoador, pra cantar com ele “Brasil”, ou chorar a “Luz Negra”.
Não restava muita coisa pra fazer na cidade, e esse momento coincidiu com minha necessidade pessoal de mudança, de crescimento. Novas aventuras...
Nesse país da imaginação que é o Brasil, onde tudo pode e acontece (e tudo de ruim principalmente), o Rio é a capital ainda (do Império da loucura): é uma ilha da fantasia aterrada.
Saí da cidade e o destino foi São Paulo, isso faz pouco mais de 3 meses...