quarta-feira, 22 de agosto de 2007

“Lonely People” na cidade grande


ou para não esquecer de sorrirTrilha-sonora: cd Fathering de Mark Mucalhy


Adendo: O quê farei com este blog?
Quando decidi voltar à escrever um blog, há dois meses, lembrei das minhas investidas frustradas na blogsfera, mas resolvi ir em frente porque tinha vontade de guardar minhas lembranças do momento da vida em que estou. Escrevi um texto que falou do Rio de Janeiro e de minha saída de lá e queria escrever um texto bacana sobre minha chegada à São Paulo, as primeiras impressões como morador. Mas ficou tudo um pouco confuso, talvez reflexo da minha própria confusão. Sinto uma certa pressão em escrever um blog, e acho que isso vai contra o prazer de se escrever livremente na Internet. Bem, acho que não sou o melhor escritor para essa mídia, nem tampouco o mais constante. Então decidi escrever aqui de forma bissexta mesmo, sempre que eu quiser guardar algo.
Reflexos no prédio espelhado

Cheguei em São Paulo numa segunda-feira de Março, perdi o vôo, embarquei de outro aeroporto (o que me garantiu um city-tour de despedida pelo Rio de Janeiro), mas cheguei em tempo para a entrevista de um trabalho free-lance que era o alvo concreto da minha vinda, na verdade uma desculpa, um pontapé para a mudança. Passei na entrevista, mas percebi que seria uma roubada pra mim e então não peguei o trabalho. E tanta angústia, foi tudo muito rápido e eu sabia que tinha que ser assim. Trouxe uma pequena mala: dentro meia dúzia de roupas, dois ou três livros, câmera, mp3 carregado de Antony and The Johnsons; na minha bolsa: caderneta, caneta; na cabeça idéias e desesperos, tristezas e desejos.
Monólogo na neblina
Não vou falar que foi difícil porque ainda tem sido. Mas durante os primeiros dias fiquei desnorteado, eu ainda estava exausto dos problemas que me haviam acometido nos últimos dias no Rio, e ao mesmo tempo precisava assimilar esta cidade que teimei que será minha. Encontrei alguns amigos daqui e isso foi ótimo... Embora não seja muito fácil encontrar aos outros aqui, entendo que as pessoas trabalhem mais ou mais intensamente, mas todos dizem estar “correndo”, “correndo muito”, e fico pensando se chegarão a algum lugar assim. Sem tempo para os amigos, para a vida. E como é fácil se sentir sozinho, profundamente sozinho, numa cidade cheia de sombra dos arranha-céus, e os amigos mandam e-mails e os dias passam rápidos e vazios. Ao mesmo tempo em que preciso entrar no ritmo, calçar meus tênis pro cooper da vida. Mas é assim... E vou aprendendo a lidar com esse defeito paulistano, um dos vários que ainda irei descobrir, afinal a grama do vizinho não é a mais verde. Entendo que minha mudança foi uma questão de sobrevivência, de tentativa, de sanidade. É preciso encontrar o equilíbrio entre o meu tempo e minha forma de relacionar-me e a da cidade.
Re-conhecendo o território
É preciso ter a sensação da liberdade, de poder ir e vir sem um GPS no pulso a um mínimo de lugares. Hoje já saio sozinho sem medo de me perder. Talvez até querendo me perder. Aprendi a andar no metrô funcional e desconfortável daqui, embora eu deteste andar de metrô: a solidão individual do silêncio, a falta de paisagens móveis nas janelas, fobia desse lugar deprimente e imprescindível nos tempos modernos. Sem dúvida a madrugada paulistana é muito mais sedutora que a carioca, viva então. Lady Insônia promove festas e sensações. Embora eu tenha preferido sua companhia à sós aqui no meu quarto. Numa peça que escrevi, “Até o Sol Nascer” tem uma personagem, Glória, que sofre de insônia e só consegue dormir quando o sol nasce. Sou assim também, quando as cortinas azul royal começam a ficar meio lilás com a claridade é que é minha hora de adormecer.
Dias nublados

Cinco meses depois do primeiro dia vejo a cidade nublada da minha janela no décimo oitavo andar de um prédio no centro. Uma queda daqui seria vôo obtuso no espaço do sempre e do nunca. A arquitetura do Niemeyer impede lançar-se, eu reparei isso logo na primeira visita ao apartamento, na verdade é possível, mas seria preciso quebrar o vidro com cuidado e mergulhar de barriga no ar, como um super-man sem poderes: uma atitude veloz. Não acredito nos suicídios desesperados, mas sim naqueles que são naturais à vida de quem os pratica.
Tempo tem pó

E penso no tempo e na relatividade, sempre que comento com alguém sobre como as coisas andam difíceis profissionalmente escuto “calma, você chegou há pouco tempo”, mas os mesmos cinco meses se tornam uma eternidade para meus credores. Dias mais e dias menos rumo ao futuro. Qual será? Alguma cartomante me diga! Quanto tempo mais correr? Pra onde exatamente ir? Por quê?
Nascimento das asas.
Como será que os anjos crescem e ganham asas? Imagino-os fetos amorfos gerados debaixo da terra, crescem e sofrem a vida humana para compreendê-la, só depois então lhes seria revelado serem seres míticos e místicos protetores dessa raça ora ignóbil e perdida. A partir daí então a revelação divina lhes faria confusos, alguns se lançariam sós ao abismo (mas então notariam a imortalidade que lhes é sentenciada e vagariam na escuridão) e outros seguiriam o caminho mais perfumado e iluminado. Auréolas de néon azul surgindo entre seus cabelos e as asas crescendo em suas costas, arrebentando tudo que há: músculos, carnes, peles, a dor alada. Sofrer é preciso pra ganhar asas, devem pensar. E então voam por aí.

Aprender a voar
Perseverança ou teimosia eu continuo aqui, apesar de tantos problemas e dificuldades na grande metrópole. Algumas possibilidades já se esboçam, outras eu tenho rabiscado. Pensando em fazer da minha vida algo que valha a pena. Pra mim ao menos: me reservar ao egoísmo de me fazer bem. É difícil, e tem dias e noites que é como se nada adiantasse: “me tragam o Rivotril!”, e dormir fosse a solução para a dor. Voando baixo ou alto seguimos em frente. E que um dia todos nós possamos usar auréolas de neon por aí, cada um de uma cor. E sigamos em frente até lá. Pé diante pé. São Paulo me abençoe.
PS: Não esquecer de sorrir.



Um comentário:

  1. Adorei seu blog

    Cuando era muito jovem, 23 anos, fiz un viagem a Paraguay e conhecí a frustraçao de olhar Río de Janeiro somente desde o ar.

    Jurei que un día voltaría lá. Hoje, tengo o prazer de ler suas memorias, de olhar desde seus olhos.

    Obrigado por isso.
    Angel desde México

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