domingo, 16 de novembro de 2008

A invenção do amor

ou nota sobre o platônico
Trilha-sonora: cd The Masterplan de Oasis


São oito da manhã e ainda não dormi. Algo remexe dentro de mim. Estômago e coração. Vontade de colocar pra fora em vômito esse sentimento que me inquieta.

Eu pensava que tinha perdido a capacidade de me apaixonar. Não sei se benção ou maldição, mas me pensava assim: curado do amor. Que os últimos acontecimentos da vida tinham endurecido o coração. Mas ele só estava congelado, e com um pouco de calor parece ter derretido. E agora vaza de mim amor líquido. Como um suor que teima em me molhar o rosto.

Não quero dizer que estava amargurado, não. Sei que sou fadado ao romantismo. Que pareço pertencer a outros tempos da construção do amor. Hoje o amor foi desconstruído como quase tudo, e ama-se em meio a fetiches e bizarrices. Amar é enfiar o punho no buraco da amada como se quisesse alcançar o órgão que bombeia sangue. Amar é trocar de parceiro com outro casal e trocar olhares apaixonados de uma cama à outra. Amar é sodomizar seu homem numa inversão de funções. Amar é desejar e permitir, o quão longe a mente vá. Assim é hoje. E neste aspecto, por mais que eu ache tudo muito interessante, e tente ser moderno, sei que sou romântico, velho, simples.

Então eu amo como um jovem influenciado por Werther. Eu amo ao som dos Beatles. Eu amo do jeito que inventaram um dia que era amar. E nós acreditamos porque vimos “Before Sunrise” (e depois ainda lançam “Before Sunset”!), porque ouvimos muito Radiohead, porque cada um de nós teve uma namoradinha aos cinco anos de idade (a minha se chamava Amanda) e foi rejeitado por outra na adolescência (Manoela). Eu amo e choro. Eu amo e rio. Eu amo e espero.

Mesmo entregue à vida mundana essa essência está lá, impregnada, e logo exala por todos os poros deixando claro quem eu sou e que talvez veja tão pouco. Faltam em mim elementos químicos que levam à depressão. E ela turva tudo. Um eterno par de óculos escuros frente aos meus olhos. Então meu amor é melancólico, como todo resto.

Eu escrevo e as palavras misturam verdades e ilusões. Todas as histórias são ficções depois de desenhadas em papel. Eu escrevi algo para S. uma vez e ela me respondeu “não precisa ser tão trágico assim”. Mas é claro que precisa, porque ela decretou-se morta em silêncio logo depois. Sua morte em minha vida foi uma tragédia. E como uma Antígona carreguei em lembrança seu cadáver até conseguir enterrar em algum ponto remoto da memória.

Neste tempo continuei me apaixonando, mas por coisas simples, pelo que não dói. Não amor amor. Pequenas paixões ao longo dos dias. Mas então uma grande. Que eu vou fingindo não ver o tamanho, e que só cresce.

Afirmo que é uma bobagem, tento ouvir um ou outro amigo que tenta ajudar dizendo que eu só confundi as coisas, ou mesmo me jogar em outros braços pra esquecer aqueles que não me têm. Só que nada disso adianta muito por muito tempo.

Ontem eu a vi. Depois de algumas semanas. Não sei se ela me viu, porque não fiz questão disso. Mas eu a vi ali, acompanhada, a dois ou três metros de mim. Eu a vi e segui meu rumo. Conversas e risos entre amigos. Social com desconhecidos. Segui o rumo da vida com falsa naturalidade, como se tudo estivesse correndo bem. Mas não estava, eu queria parar a vida, molhar aqueles lábios com o salgado de minhas lágrimas discretas.

Tento lembrar do Rei Roberto (“de hoje em diante só vou gostar de quem gosta de mim”), mas não adianta, por mais que eu viva a vida – e vou vivendo – isso-amor está aqui, isso-amor dói e isso-amor continuará até um dia em que se desapareça como chegou: num olhar, num toque, num sonhar.

Escrevi uma peça sobre sentimentos e histórias de S. e outras que ocuparam palcos e coração. Escrevi essa peça pensando nela pra fazer. Escrevi pensando nela. O autor tem o poder de transformar qualquer uma em musa. E eu a escolhi, ou fui escolhido. Então escrevi, tentando não ser trágico demais como disse a outra.

Meta-amor.


Amizade. E então a trouxe pra perto do jeito que um workaholic pode fazer isso. E me pergunto o momento em que o tesão virou amor. Esse amor platônico, ridículo e sim verdadeiro.

Amo e não digo, mas amo e escrevo.

O quê fazer com isso tudo? Embrulhar e mandar pra presente? Deixar guardado até que um dia floresça ou apodreça? Talvez apenas seguir avante por estes caminhos sinistros dos (des)encontros.

Aquilo ainda se mexe dentro de mim, dor incômoda.

Feliz por me sentir vivo por que dor é sinal de vida.

E já que não tenho Rivotril, vou tomar Sonrisal pra ver se passa.


ilustram o texto fotos da atriz francesa Julie Delpy

3 comentários:

  1. Anônimo5:20 PM

    Heheh, o Sonrisal foi o melhor... Amigo, vc sente tudo isso só pra escrever belos devaneios... Vc sente pra isso? Ou escreve pra sentir isso? Ou escreve como desespero? Ou escreve e reescreve e joga fora e pega de volta e transcreve e joga fora de vez? Ou... Amigo, o amor é tudo isso, e muito mais, muito mais mesmo, ainda mais por vc ser esse ser que vc é! Rs

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  2. Anônimo6:15 PM

    nem perdi tempo lendo tudo.

    melhor vc tomar um gardenal e ir dormir.

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  3. Obrigado Anônimo, por gastar seu tempo, vir até um blog que não atualizo há algum tempo, ler (até onde quer que tenha ido) um post de 2008 e deixar seu comentário.

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